segunda-feira, 21 de julho de 2008

Amarelo

Naquela manhã ventilada de julho, o passarinho amarelo acordou particularmente feliz, sentia-se bem-disposto, ativo e “interessante”. Alimentou-se bem antes de começar o seu passeio matinal, e naquele dia não voou alto, nem depressa demais, pois o dia estava realmente lindo, lindo como um dia de despedida. Nem o cachorro atoleimado que o aborrecia com suas brincadeiras estúpidas desfez o seu humor. E assim se passou a manhã.
De tarde o sol despontava e veio a vontade de descansar, voltava despreocupado ao seu ninho, aproximou-se da entrada e, estranhamente, o jardim inteiro fez-se mudo. Naquele momento pôde ouvir apenas as batidas gradativas de seu coração de passarinho novo, que estremeciam-no por dentro e faziam vibrar cada fibra do corpo. O seu coração pressentiu e avisou à mente e ao resto do corpo a presença do usurpador do seu grande tesouro. Então o avistou, com seu olhar atroz de corvo mau, faminto por consumir-lhe o ninho, os ovos e a vida. E assim o fez.
E o seu canto fez-se triste. A criatura faceira que ali havia, encheu-se de cólera até a última pena do corpo. Toda a sua doçura habitual convertia-se agora em amargura e pesar, pois se sentia gravemente ferido, afinal o corvo estava ali, inexoravelmente ali. E a vil criatura foi capaz da mais cruel brutalidade, tirou dele tudo que havia de mais importante em sua vida de passarinho, arrancou-lhe as asas e a capacidade de enxergar o quanto o dia ainda era belo.
-que Deus o condene por roubar minha felicidade, criatura perversa!
Foi tudo que a sua voz trêmula e revoltada conseguiu balbuciar, e ‘durante algum tempo galopou na mais brutal raiva do mundo’, se sentia fraco, covarde por não poder impedir o corvo, por não poder lutar contra ele e mais ainda por não se permitir morrer. E assim aconteceu na vida do passarinho. Só lhe restou o canto solene e impregnado de tristeza em cada nota, e até hoje, vive, meio morto.

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